17/12/09

Aninhou-se na almofada junto à lareira, fitando a chama, envolvido pelo calor ameno.

Deixou vaguear a mente pelos baús mais recônditos, pelas tempestades mais ferozes, pelo sol mais abrasador. Recordou odores, texturas, palavras, carícias…

Odores que se evaporaram no tempo. Texturas que lhe afagaram as mãos. Palavras doces como mel. Carícias… ah as carícias… gravadas na pele quando dois corpos se tocam e duas mentes se fundem. Quando duas mãos percorrem para lá de um corpo que se entrega, quando dois lábios se unem para lá do beijo, quando os olhos penetram para lá do que olham, quando dois corações batem acelerados, sintonizados.

Odores voláteis. Texturas suaves. Palavras que se repetiram para quantos ouvidos as ouviram. Palavras gastas. Palavras guardadas e esquecidas. Decoradas. Ornamentadas. Falseadas.

Odores entranhados. Texturas ariscas.

Odores inconfundíveis…

Endireitou-se na almofada junto à lareira, fitando a chama apagada, envolto no calafrio que lhe envolvia o corpo (ou a alma?...) E ergueu-se, porque era premente erguer-se! Sacudiu a almofada como quem sacode mágoas. Guardou a almofada como quem guarda sonhos. E quando a pérola que lhe saltou dos olhos, lhe rolou pela face e lhe aterrou no colo, afagou-a, antes de a deixar desfazer-se como castelo de areia construído à beira mar.

Dissipa-se a magia. E, decidido, refugia-se no seu mundo secular.

Vazio. Silêncio. No ar o ligeiro perfume a recordar-lhe que ainda estava vivo… com algumas feridas por sarar, algumas mossas bem marcadas, algumas amolgadelas… mas vivo!

Passou as mãos pelo cabelo grisalho, os dedos pela barba macia e voltou costas à lareira…


2 comentários:

eu disse...

Todas as recordações fazem parte de um processo que nos mantém vivos, sem elas seriamos meros seros, desprovidos daquilo a que chamamos o "ser" humano.
Beijinhos

Paulo disse...

O perfume mantém-se? ;-)

Este blogue anda um bocado abandonado e melancólico, não vos parece? Onde param a Due e o Terzo?