26/10/09

a caminho da civilização

Gosto. É claro que gosto. Atrai-me sobejamente. Cativa-me. Extasia-me.

E invejo. É claro que invejo a capacidade de intolerância - não me apetece chamar-lhe estupidez, seria demasiado cruel (cruel?). ahhh que crueldade a daqueles que ainda se encontram em fase de aprendizagem. Ignorantes. Inoperantes.

Gosto, é claro que gosto da eficiência de uma boa buzinadela. Desentope o caminho em menos de nada. Não? Ahhh pensei que sim. Mas pelo menos poupa-me o rádio do carro, posso desligá-lo e ficar apenas com a melodia (?) vinda de fora. Aaahhhh que calmante. Tranquilizante.

Tranquila, observo o arrancar estridente. Ai como eu gostava de ser exímio volante. Galgar passeio, roçar o ventre do transeunte, sem atrapalhação, sem hesitação. Passar a milímetros do L sem o (se) esmurrar. Suicidar. Ser o maior. Que grande (mesmo que não seja grande coisa). E quase esborracha a criança na passadeira que com o puxão da mãe se estatela no chão. Raios parta, porque chora o miúdo? Devia era tê-lo morto que há população a mais na cidade. Assassino? Nãããã, impressão minha.

Quero ter a mesma raiva dedicada ao pobre infeliz que no meio da atrapalhação de não nascer ensinado, deixa o carro ir abaixo à entrada da rotunda. Devia saber conduzir na perfeição mesmo antes de se inscrever na porcaria da escola de condução.

Olho o relógio, vinte para as nove. Devia ter deixado a cama mais tarde. Conseguiria agora irritar-me, gesticular e desenvolver o meu dicionário insólito de palavras enternecedoras como “cabrão”, frases amáveis de “filho da puta”.

E quando finalmente arranca o tal veículo L (L de lição? Quem sabe nº 1.. ai não deviam existir lições nº 1. Maldição), passo-o enquanto observo enternecida (que estúpida) a carinha corada do jovem ao volante. “calma, rapaz, aposto que daqui a uns meses já com documento comprovativo de doutoramento de parvalhão, serás tão insigne condutor, notável ameaçador, distinto reprodutor de insultos absurdos. Tem calma rapaz. Tem calma, já falta pouco para seres mais um famoso acrobata e eu só lamento não ter sabido neste momento, formar na perfeição mais um distinto instinto assassino.” Ahhhh quem me dera ser tão boa formadora (formar? Mas quem me autoriza a formar? Deformar. Deformado como o anormal…) como o anormal que me atrai sobejamente, me cativa me extasia do pedestal da sua sabedoria na vasta intolerância – porque não me apetece chamar-lhe estupidez – perante quem ousa tentar aprender porque ainda não sabe ser um deformado perfeito anormal. Civilizado. Aaahhhh como eu gosto desta civilização. Atrai-me. Cativa-me. Extasia-me.

Ai que belo começo de dia. Que bom humor macabro. Que bem me faz esta santa barbárie. Quão civilizados somos. Uau!



24/10/09

per te... e per me...

Vês a lua lá longe? Intocável.

Não quero ser uma lua intocável…

Vês os monstrinhos nas árvores? Pirilampos. Cisne do rio.

Como parte de mim. De ti? Não quero agarrá-los, apenas admirá-los…

Vês as pedras do castelo? Umas sobre as outras.

Num equilíbrio permanente. Premente. Não quero derrubá-las…

Vês as estrelas cintilantes no céu escuro? Vês o relâmpago na noite calma? Vês o vermelho do Sol que se esconde?

Vês-me?...

Observo-te enquanto dormes. Olho-te acordado. Examino-te os contornos. Oiço-te as palavras. Penetro-te o olhar em busca de certezas. Nada é certo. Assustam-me as faíscas. Temidas…

Espio-te os sentidos. Sentimentos. Espreito-te. Observo-te. Reconheço-te. Conheço-me. Admiro-te as mãos…

Percorrem-me o corpo como exploradores em mares desconhecidos. Tornam mágicos os momentos. Em movimentos. Adoçam o olhar, aquecem a pele, abrasam-me como brasa de lareira. Penetram-me como flechas de cupidos. Sentidos…

Não são mãos de deus. Não são mãos de dono. Não são mãos inquebráveis. Razoáveis. De razão. A tua e a minha. Razoáveis. Como tu e eu…

Vês a lua lá longe? Intocável. Só quero vê-la…

Vês os monstrinhos e o cisne. Mais ninguém vê. Só quero que vejas… só quero vê-lo…

Vês o castelo a balançar? Não ruiu, não quebrou, não desmoronou. Só quero abrigar-me. Segurar-me…

Vês? Vês-me? Só quero que nos vejas…

Quero. Quero-te. Mas mais que tudo quero-me…



contigo...