19/05/10

Estou francamente feliz com todas as medidas governamentais!

Claro que estou!

Há uns tempos atrás estaria a X anos da reforma, agora estou a X+Y. Ou seja, há uns anos eu estive a meio da carreira e agora volto a estar o que, por conclusão lógica, significa que rejuvenesci. Só posso ficar contente!

Além disso sinto-me felicíssima em pensar que quando chegar ao X+Y só me é exigida uma certidão de óbito para aceder directamente à reforma e não serei atingida pela próxima medida a implementar, que exige o documento comprovativo de transladação de ossada. Só posso ficar feliz!

Entretanto vou passar a ter um desconto acrescido de 1.5%, mas fico radiante por saber que não serão cobrados retroactivos ao inicio do ano ou, quem sabe, ao tempo em que brincava com bonecas, ainda que preferisse berlindes e carrinhos ou, o que seria ainda mais lógico, retroactivos ao tempo em que a minha mãe ainda andava em período de gestação. Apraz-me saber que nunca me serão cobrados retroactivos de impostos sobre o tempo em que eu não passava de um mero espermatozóide à procura de poiso. Só posso sentir-me tremendamente radiante!

Além de que todas estas medidas contribuem para que deixe de moer o juízo a pensar sobre o que vou vestir já que até mesmo a tanga será abolida. Afinal, a Sr.ª professora estava apenas a antecipar-se numa atitude inovadora que deve caracterizar a classe docente. Isto deixa-me, obviamente, satisfeita!

Por outro lado, agrada-me ter a certeza que serão os cidadãos trabalhadores que pagarão obras alucinadas como aquela que transportará rapidamente não sei quem a uma cidade onde poderão depois dirigir-se ao aeroporto mais próximo e seguir viagem, enquanto nós, os tais cidadãos trabalhadores, por cá ficaremos com obras de somenos importância e perfeitamente estúpidas e inúteis como as de permitirem que facilmente outros cidadãos atravessem uma porcaria de um rio. Façam-no a nado e sejam felizes!


18/05/10

concentração e abstração

Este post deixou-me a pensar. Na verdade, deparo-me frequentemente com observações referentes a esse assunto e inclusive com alguns embaraços. Se por um lado me questionam muitas vezes “como consegues?” por outro também me gritam aos ouvidos “caramba já te chamei uma dúzia de vezes!”

Hoje, ao pensar nisso, creio que, como uma boa parte das coisas da vida, se resume a uma questão de necessidade, treino e/ou circunstância.

Quando desde pequenos somos obrigados a estudar enquanto o pai dá explicações a algum colega, o irmão está na hora da brincadeira e a mãe resolveu tocar piano, não temos outro remédio senão tentarmos concentrar-nos.

Quando se sai de casa aos 15 anos para prosseguir estudos e se passa a viver repetidamente em casas cheias de jovens que decidem ver TV, ouvir música, receber amigos ou fazer a party precisamente na véspera do nosso teste de matemática, resta-nos recorrer à nossa capacidade de abstracção (ou reprovar o ano).

Quando o trabalho que escolhemos nos exige aprender a trabalhar em grupo e com o grupo, que é ainda mais difícil. E esse grupo tem ideias, experiências, conceitos e visões tão diferentes das nossas não temos outro remédio senão ouvi-los, repensar, ajustar, acordar.

Quando se decide trabalhar, estudar, ser mãe e mulher, descobre-se que das duas uma, ou aprendemos a fazer mais que uma coisa ao mesmo tempo ou obrigamos os dias a terem mais que 24 horas. Como a segunda hipótese é mais complicada, optamos pela primeira e habituamo-nos a fazer o jantar enquanto conversamos com o puto sobre o dia de escola, ajudamos o pai numa tradução, corrigimos um trabalho, ligamos a máquina da loiça, estendemos a roupa, and soo n.

Quando não queremos desistir do que gostamos de fazer, apesar de isso implicar trabalhar com um grupo de malucos que ouvem uma música ainda mais maluca, cantam e conversam ou desatam a discutir no meio do nada e mais umas quantas coisas que nem me atrevo a descrever, temos de treinar a nossa capacidade de concentração.

E é então que concluímos que a nossa capacidade de realizar mais que uma coisa ao mesmo tempo decorre da necessidade e do treino a que as circunstâncias nos obrigaram, tal como a nossa capacidade de concentração. É nesse momento que também descobrimos que a capacidade de concentração está associada à de abstracção e que, se por um lado conseguimos estudar ou trabalhar sem sequer repararmos que à nossa volta chovem canivetes, por outro lado, somos por vezes despertos por alguém que nos abana gritando-nos aos ouvidos “caramba já te chamei um milhão de vezes!”


é uma questão de treino e necessidade Ana :)

15/05/10

Perfume

O cabelo negro como breu, caía em suaves ondas sobre a pele aveludada dos ombros desnudados. As calças de ganga justas moldavam-lhe as curvas numas tenaz sensualidade. O corpo era esguio, mas os seios uma mão cheia perfeita. Os olhos claros, tão claros que, à primeira vista, quase pareciam sem cor, mas tão profundamente penetrantes que quebravam qualquer barreira interior. A voz quente, ressoava numa grata melodia. Nunca ouvi uma mulher com uma voz tão inatamente capaz de me provocar aquele arrepio até à profundidade da medula. Respirei com dificuldade quando se moveu e o seu odor envolveu o ar, ao mesmo tempo que me fixava num jogo telepático que me absorvia e me faria segui-la até ao fim do mundo. Nas narinas, na roupa, na pele, permanece arraigado o perfume que me manterá prisioneiro até à eternidade dos meus dias.