Esperara 18 longos anos de vida para a receber e ali estava ela, reluzentemente preta com a risca roxa, a cheirar a nova, invejada por quantos a miravam naquele dia festivo. Ao final da tarde deixou o lar paterno para regressar à cidade estudantil que a acolhia. Conhecia a estrada como a palma da mão, cada sinalização, cada curva e cruzamento, cada árvore circundante. Só não conhecia aquele camião TIR que não parou no stop e se lhe atravessou na frente como quem se impõe ao destino. Sentiu-a bater e tombar, sentiu-se resvalar no asfalto, no meio de um ruído desconhecido e depois quedar-se sobre um chão negro, duro e quente, uma dor aguda que lhe percorria a perna até à anca e uma voz grossa, num corpo latagão de expressão incrédula “você não pode estar viva!...” “o caraças é que não posso, estupor!!!”
Acordou ao som da sirene com um rapazito de cara de anjo a seu lado… "está tudo bem" Sabia que não era conveniente discutir o sexo dos anjos, decidiu também não discutir a veracidade das suas palavras, ainda que pensasse "bem? só se for a tua porque a minha doi p'ra caramba"
“Nem penses!!! Desde que passei entre as rodas da frente e de trás de um camião TIR, nunca mais me aproximei de uma!”
“Não sejas parva! Já passaram umas décadas!”
O corpo tremia-lhe, o vento batia-lhe na cara, fechou os olhos para as lentes não secarem, enlaçou-o pela cintura, a mão dele acariciou a sua num voto de confiança, colou-lhe a cara às costas com o cabelo a esvoaçar, o corpo foi repuxado pela primeira curva da serra e depois… só sentiu a liberdade, aquela sensação louca de ser dona do mundo, de esmagar os medos, de poder ir sempre mais além do que o destino a queria condenar…