Olhou em redor. A multidão continuava em correria como se não houvesse amanhã. Os pombos no fio eléctrico miravam-na calmamente, como quem pensa que estará louca, gente que vive em tal aceleração. O Sol. Esse manteve-se luminoso, preguiçosamente instalado no límpido céu. Nem uma única nuvem se atreveu ameaçá-lo durante as horas que ali permaneceu.
Olhou uma vez mais o relógio. O ponteiro dos segundos veloz, tal e qual aquela gente. O dos minutos mais espaçado e o das horas confortavelmente refastelado por trás do vidrinho, mandrião como Sol. Sem urgência, que as horas não se fazem de uma só vez e o tempo não tem pressas.
Olhou a chave apertada na palma da mão. A mesma mão que a acariciara antes. Ainda teria o odor a perfume. Por ventura, ainda lhe sentiria o calor da pele ou a humidade do sexo. Na mão que a comprimira contra si quando o sangue lhe ferveu.
Olhou pela derradeira vez a janela, enquanto se diluía no meio da multidão, o relógio a marcar as doze, abriu a porta do carro, rumou ao emprego como o ponteiro das horas.
Indolente.