Não é de hoje nem de ontem o meu prazer pela leitura. Vem do século passado (ui, vem do milénio passado!) e acredito que entre outros o pai foi sem dúvida um dos principais responsáveis. O pai e aquele livrinho pequenino, com uma capa de couro gravada, as páginas amarelecidas e uma escrita ainda meio arcaica, desenhada em estilo gótico como convinha ao tempo em que foi impresso. Era (ainda é) um dos tesouros da vasta biblioteca do pai, aquela onde só entravamos acompanhados, de mãos lavadas e só tocávamos no que nos autorizava, embora os seus olhos brilhassem (ainda brilham) cada vez que lhe pedíamos algum.
Deve ser das minhas primeiras recordações “e hoje que história queres que conte ou leia?” perguntava-nos ele todas as noites e eu, tão pequenita que nem lembro a idade, pedia-lhe invariavelmente “aquele papá, aquele, o pequenino” então na sua voz expressiva, inconfundível, lá começava ele a lê-lo e eu a tentar manter os olhos abertos para não perder pitada. Claro que não entendia nada, porque na meninice de uns 4 ou 5 anos é impossível entender Camões e a odisseia narrada em algo tão sublime como “os Lusíadas”. E, contudo, estou certa que foi aí que nasceu o meu prazer pelos livros.
Depois estranhamente (como dizia a mãe) lá veio aquela professora no 5º, ano de exame, quase no final de liceu, afirmar que ou eu aprendia a ler como deve ser, sem soletrar as sílabas como uma criança ou teria uma surpresa na pauta. Foi assim que conheci o capitão B. que tinha estudado no seminário e, amigo do pai, lá garantiu que não se preocupassem que eu havia de ler que nem um célebre erudito. Deixei o célebre erudito de lado mas aquela hora que lá passava todos os dias a ler em voz alta transformou-se no prazer que ainda hoje agradeço.
Aprendi que quando leio não me basta o enredo, foco-me nos pormenores que me permitem ou não ver (ou será viver?) a cena, fixo-me na capacidade da descrição ou na potencialidade da imaginação, na criatividade, no vocabulário mais ou menos vasto, no tipo de pontuação e em tantas outras características que uma página pode conter. “Para ler bem tens de entender o que lês mas sobretudo tens de o sentir” dizia-me e é nisso que mais me concentro: no que sinto, sejam quais forem as palavras que os olhos percorrem.
Muito mais tarde cruzei-me com contadores de histórias, aquelas figuras fenomenais que me encantam e transportam para outro mundo. E autores de livros fantásticos, com mais ou menos sucesso na banca. Finalmente, encontrei os bloguistas aquelas personagens desconhecidas, sem rosto e sem voz, mas que muitas vezes são autênticos príncipes na arte de escrever porque nos fazem sentir, porque nos fazem conhecer deles o que nunca veríamos só por lhes olhar os rostos.
Estranhamente (mais uma vez), acabo por reconhecer que não sou dada à poesia que as minhas limitadas capacidades nem sempre permitem entender, mas mais uma vez, cativa-me se a sentir. Gosto de ler. Adoro ler. Como se ler tivesse o condão de me transportar para outros espaços, outras vivências, outras formas de ver o mundo, a História ou o Homem. E pensar que tudo começou com os “cantos” transcritos num livrinho que eu não entendia mas se entrosava como um bichinho.